20 anos do Ensino Médio Integrado no Brasil
Neste ano de 2024 comemora-se o aniversário de 20 anos do Decreto Federal nº 5.154 de 23 de julho de 2004, que na época permitiu o retorno da integração entre Ensino Médio e Ensino Técnico, ou da Educação Geral com a Educação Profissional, que estava proibida no Brasil desde 1997 com a edição do Decreto 2.208/1997.
Este decreto de 2004, depois convertido em lei em 2008 (Lei Federal nº 11.741 de 16/07/2008), reanimou as expectativas de diversos educadores no Brasil, que viam o Ensino Técnico puramente tecnicista e exclusivamente voltado para os interesses imediatos do mercado, como desprovido de sentido e indiferente aos estudantes e suas trajetórias cidadãs e pessoais.
Desde a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, a Educação Integral foi estabelecida como direito de todos os brasileiros, o que deveria obviamente incluir os estudantes do Ensino Técnico. Para isso seria preciso que os cursos técnicos fossem ampliados e consolidados com a aproximação e incorporação da Educação Geral nos seus currículos.
Deste modo, a partir de 2004, procurou-se integrar novamente o Ensino Médio ao Ensino Técnico, dando origem ao Ensino Médio Integrado ao Ensino Técnico, ou Técnico Integrado ao Ensino Médio, ou apenas Ensino Médio Integrado (EMI).
O Ensino Médio Integrado é uma modalidade de curso para adolescentes (14/15 anos até os 17/18 anos) que é ofertado nos CEFETs, nos Institutos Federais, em algumas escolas estaduais e até mesmo particulares. Este curso é ofertado após a conclusão do Ensino Fundamental (Anos Finais – 6º ao 9º ano) e antes da Faculdade (Ensino Superior).
Contudo, uma pergunta imediatamente se impõe neste cenário aqui mencionado. O decreto de 2004 revogou o de 1997 que proibia integração entre Ensino Médio e Ensino Técnico. A pergunta é: Onde no Brasil existiam experiências de Ensino Médio Integrado que foram interrompidas em 1997? Ou então: Quais foram as experiências de Ensino Médio Integrado anteriores a 1997?
Perguntas simples, respostas dificílimas. Primeiro, porque a história completa do Ensino Médio Integrado, das origens à atualidade, ainda não está disponível. Segundo, trata-se de uma história que foi marcada por interrupções autoritárias e ausência de diálogo entre Estado e Sociedade, o que ocasionou perda da história e da memória das experiências anteriores a 1997.
Uma coisa é certa. Em 1997, havia no Brasil experiências de integração entre Ensino Médio e Ensino Técnico que foram interrompidas e puderam ser retomadas em 2004. Onde? Quais?
Este artigo faz parte de um esforço de pesquisa para recuperar esta história. Assim, é importante lembrar dois marcos históricos brasileiros para o Ensino Técnico: 1931 e 1942. O primeiro, refere-se a reforma Francisco Campos que tornou obrigatória a conclusão do antigo Colegial (atual Ensino Médio Regular) para ingresso no Ensino Superior no Brasil e não apenas a aprovação nos exames vestibulares. O segundo, a chamada Lei Orgânica do Ensino Industrial, primeira norma federal que regulamentou o ensino profissional no Brasil, e dividiu o Nível Médio entre Formação Propedêutica (Educação Geral) e Formação Profissional (Ensino Técnico), este último legalmente impedido de ingressar no Ensino Superior. Esse impedimento foi retirado gradualmente a partir da década de 1950 com as chamadas Leis de Equivalência.
Contudo, existiram no Brasil experiências de integração entre Ensino Médio e Ensino Técnico anteriores a 1997, a maioria delas interrompidas ou desmanteladas.
A mais antiga e dolorosa destas experiências foram as Escolas Técnicas Secundárias (ETS) de Anísio Teixeira (1932 a 1937). Anísio as planejou para ofertar de forma única e integrada a Educação Geral (Ensino Médio) e Educação Profissional (Ensino Técnico). As ETS também permitiam o ingresso no Ensino Superior e, portanto, eram conceitualmente próximas do atual Ensino Médio Integrado. Contudo, em 1937, Anísio foi afastado de suas funções e sua experiência integradora foi desfeita pela ditadura varguista.
Outra iniciativa foram as Classes Secundárias Experimentais (CSE) do educador Luís Contier no Estado de São Paulo (1961 a 1970). A experiência de Contier impulsionou e colaborou para a criação, também no estado de São Paulo, das Escolas Vocacionais que foram fechadas em 1969, no regime militar (1962 a 1969). Essas iniciativas contemplavam também a Educação Profissional, embora, não se restringissem a elas.
Outra experiência de integração ocorreu no Coltec da UFMG entre 1981 e 1997, que inclusive é pouco estudada, na perspectiva da história da integração aqui mencionada. Outro marco, nesta história, foi a criação em 1985 da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), ligada a Fiocruz, e declaradamente um colégio politécnico desde sua origem. A EPSJV foi, provavelmente, a primeira experiência de Ensino Médio Integrado criado após o término do regime militar e marco importante da história do EMI.
Na década de 1990 diversas instituições governamentais e associativas iniciaram experiências no sentido da integração. Foram elas: Projeto Axé em Salvador (BA - 1990), CEFET-MG, Instituto de Educação Josué de Castro (IEJC - 1995), Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (depois CEFET-RN – 1995) e Confederação Nacional dos Metalúrgicos (Projeto Integrar – 1996).
Contudo, estas experiências que estavam em andamento desde a década de 1980 foram interrompidas em 1997. Foi neste sentido de descontinuidade que o historiador Luiz Antônio Cunha escreveu um texto clássico onde compara e afirma que: “1997 repete 1937”. Nestes dois momentos o governo atuou para manter obrigatoriamente separado a Educação Geral e o Ensino Profissional, impossibilitando a integração.
Este levantamento, aqui apresentado, não é exaustivo e provavelmente não comtempla todas as experiências de integração ocorridas entre 1931 a 1997. Isto é uma tarefa urgente e necessária: escrever a história do Ensino Médio Integrado antes de 2004. Neste contexto, corre-se o risco de algumas experiências passadas estarem no esquecimento à espera de serem recuperadas pelas luzes da pesquisa em história da Educação.
Durante o século XX uma das raras conquistas importantes do Ensino Técnico, no sentido de valorizar a modalidade, foram as chamadas Leis de Equivalência da década de 1950, que permitiram que seus alunos tivessem acesso ao Ensino Superior, após aprovação nos vestibulares. Alguns dizem que isto foi uma vitória apenas formal, pois na prática, os estudantes dos cursos técnicos não conseguiam competir com os estudantes do Ensino Médio por vagas universitárias. É possível esta leitura. Mas certamente foi um avanço.
Foi apenas no início do século XXI, em 2004, que o Ensino Técnico obtém outro importante avanço com o decreto de 2004. Este permitiu a retomada do EMI, que cumpre três funções bem definidas: função formativa (formação para a Vida e a Cidadania), função profissional (formação para o Trabalho) e função propedêutica (preparação para a Continuidade dos Estudos). Por isto, o EMI é apontado como um dos mais bem-sucedidos do Nível Médio na atualidade brasileira, inclusive em medições como ENEM, IDEB e Pisa, e apresenta-se como alternativa para educação da juventude brasileira. Por isso, recuperemos e preservemos sua história.
Prof. Luciano Marcos Curi – Pós-Doutor em História e em Educação
IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br
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