A ciência duplamente ameaçada: negacionismo e cientificismo
A ciência não tem paz. Ela vive, as voltas, com diversos problemas, alguns novos, outro velhos...
Como todos sabem a ciência é um tipo de conhecimento humano construído ao longo da história e constantemente submetido a críticas, experimentos, provas e contraprovas. Também é amplamente conhecido que a ciência se subdivide em várias áreas e subáreas. Ciências Humanas, Ciências Naturais, Ciências Exatas, Ciências da Saúde e por aí vai... Todas essas áreas e suas subdivisões tem suas particularidades e características próprias.
A ciência já produziu inúmeros benefícios para a humanidade: remédios, vacinas, cirurgias, aviões, automóveis, eletrônicos, computadores, telefonia, internet, entre inúmeros outros exemplos foram possíveis graças a pesquisas científicas anteriores. Tais realizações geraram um excesso de confiança na ciência no século XIX que se estendeu até meados do XX, e que ocasionou inclusive um certo menosprezo com relação a outras formas de conhecimento (Artes, Moral, Religião...) que se convencionou denominar de cientificismo. Excesso de confiança que a segunda guerra mundial e seus excessos mostraram claramente que a ciência era, sem dúvida, muito importante, mas como todas as invenções humanas tinham suas limitações.
A maior parte das críticas ao chamado cientificismo vieram do interior da própria ciência, fruto do debate público, zeloso e responsável entre cientistas que procuravam mostrar os benefícios da ciência, mas também seus limites.
Contudo, ao longo do século XX e neste início do século XXI, a ciência está sendo não apenas atacada, mas desacreditada de forma brutal por um fenômeno que não é necessariamente novo, mas que nos últimos anos ganhou uma proporção avassaladora: o chamado negacionismo. Diferente do cientificismo que superestimava a ciência, o negacionismo a critica radicalmente, inclusive, em aspectos para os quais existe consenso no debate científico. Enfim, de um excesso passou-se a outro: onde está o meio-termo?
O termo negação, e depois negacionismo, surgiu inicialmente a partir de um texto de Sigmund Freud chamado “A Negação” (1925). Na década de 1980 o historiador francês Henry Rousso no seu livro “A Síndrome de Vichy” (1987) cunhou o termo negacionismo para se referir aqueles que se recusavam a acreditar no holocausto nazista, desconsiderando, desta forma, a avalanche de documentos e provas existentes. Freud explicou que alguns indivíduos podem negar certos fatos e acontecimentos que causam dor e sofrimento. O mesmo se aplica às coletividades e sociedades, ainda que com mecanismos diferenciados.
A primeira ciência que tentou entender e explicar a ocorrência dos negacionismos foi a Sociologia, notadamente, a chamada sociologia do boato. Contudo, neste início do século XXI, principalmente durante e após a pandemia da covid, a proliferação de boatos, Fake News, pós-verdades, entre outros, geraram preocupação alarmante mundo afora. O negacionismo coloca tudo no mesmo balaio, dúvidas legítimas e questionamentos sem fundamento e alguns claramente oportunistas, para criticar toda a ciência. Um dos grandes perigos é privar as pessoas e a sociedade de se beneficiarem de avanços científicos notáveis, como os medicamentos, vacinas, entre outros exemplos.
O negacionismo é um fenômeno complexo e como tal requer de cientistas e educadores preparo intelectual para ser contornado. Mas, indiscutivelmente, é perigoso. Assim, diversos estudiosos fizeram estudos e levantaram posturas comuns em diversos tipos de negacionismos. São elas:
1) Criticam os consensos científicos como se fossem frutos de conspirações profundas e ocultas e não resultado da análise das melhores evidências disponíveis atualmente;
2) Encontrar no conjunto das publicações científicas certos artigos, dados e episódios para fundamentar um determinado ataque à ciência. Esse procedimento é conhecido como “viés de confirmação” e tende a ignorar fatos e informações contraditórias;
3) Utilização de falsos especialistas ou pessoas famosas para confirmar teorias inconsistentes com o estado atual do conhecimento científico;
4) A chamada criação de expectativas inalcançáveis para com elas desacreditar as realizações já alcançadas pela ciência atual;
5) A utilização de falácias lógicas para contradizer fatos científicos que foram confirmados por testes, comprovações diversas ou análise crítica.
Este debate sobre a ciência, suas limitações e os ataques que sofre na atualidade é, sem dúvida, um tema sensível. Contudo, é uma polêmica que precisa ser enfrentada. Pois, na atualidade foi possível perceber que certos negacionismos estavam a serviço de interesses econômicos, políticos, manutenção de preconceitos, entre outros. Daí o perigo redobrado que representa o negacionismo.
No Brasil, tivemos um episódio bem conhecido, e igualmente complexo, que foi a Revolta da Vacina de 1904, ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, que na época era a capital do Brasil.
Naquela ocasião, políticos desejosos de desestabilizar o governo da época potencializaram e ampliaram o medo da população com relação a vacinação contra a doença da varíola. Isso não quer dizer que os agentes da saúde, na época, fossem educados e corteses com a população. Longe disso. Mas esse episódio teve uma dose de negacionismo explorado politicamente para outros fins que diferiam do objetivo de finalizar a epidemia que castigava a população.
Esse é o perigo. Quem está criticando a ciência? De onde vem a crítica? Quais os argumentos dos críticos? Os críticos são beneficiários da ciência ou lutam por seus interesses individuais? Um debate difícil, mas necessário e certamente característico de nossa época.
Prof. Luciano Marcos Curi – Pós-Doutor em História Social –
IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br
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