Família Ávila

Na última década do século XVIII, quando o Padre Domingos da Costa Pereira celebrou a primeira missa na recém constituída Freguesia de São Domingos do Araxa, provavelmente estava presente Antonio Joaquim de Avila, filho de João de Avila da Silveira, imigrante Português açoriano oriundo da Ilha do Pico que nessa época havia sido sacudida por fortes abalos sísmicos, deixando a população na miséria e na desgraça. Em face dessa situação alarmante, dezenas de famílias abandonaram a sua terra e embarcaram para o Brasil em busca de uma vida melhor.
A Ilha do Pico é a segunda maior ilha do Arquipélago dos Açores. Mede 50 km de comprimento e 20 km de largura. Deve o seu nome à majestosa montanha vulcânica que termina num pico pronunciado. É a mais alta montanha de Portugal e a terceira maior montanha que emerge do Atlântico, atingindo 2 351 metros de altitude.
Diante da situação, o rei DOM JOÃO V de Portugal havia comunicado aos habitantes das ilhas dos Açores que a Coroa oferecia uma série de vantagens aos casais ilhéus que decidissem emigrar para o Brasil. Nos termos de um edital de fartamento distribuído pelas nove ilhas do arquipélago as vantagens do convite eram evidentes: O edital acenava para uma série de mordomias:
"... anuindo o soberano as representações dos habitantes das ilhas do Açores e Madeira para alivia-las da sobeja população que ali gorgulhava, decretou que se transportassem para este país, a custa da real fazenda, até quatro mil casais, ainda que estrangeiros fossem, contanto que professassem a religião católica romana; arrematou o transporte Feliciano Velho de Oldemberg com vinte e quatro condições, concernentes ao comodo e agasalho deles ate os lugares do seu destino; debaixo das cláusulas, que os homens não seriam de mais de quarenta anos de idade, e as mulheres de mais de trinta; que logo que desembarcassem no Brasil, a cada mulher que fosse de mais de doze anos de idade e de menos de vinte e cinco, casada ou solteira, se dariam dois mil e quatrocentos reis de ajuda de custo, e aos casais, que levassem filhos, mil reis cada um para ajudar a vesti-los; que chegando aos sitios designados para sua habitação se daria a cada casal uma espingarda, duas enxadas, um machado, uma enxo, um martelo, um facão, duas facas, duas tesouras, duas verrumas, uma serra, lima e travadeira, dois alqueires de sementes, duas vacas, uma égua, e no primeiro ano se lhes daria a farinha, que se entendesse bastante para o sustento, que vinha a ser três quartas do alqueire da terra por mês para cada pessoa, assim homens como mulheres, mas não as criancas, que ainda não contassem sete anos e as que tivessem ate quatorze anos, se assistiria com quarta e meia por mês; que os homens, que passassem por conta de Sua Majestade, ficariam isentos de servir na tropa paga, contanto que dentro em dois anos se estabelecessem onde se lhes destinasse, e se concederia a cada casal um quarto de légua em quadra para principiar sua cultura, sem que pelo titulo desta data se exijam direitos ou emolumento algum, e quando pelo tempo adiante aumentem de família com que possam cultivar mais terreno, o pediriam ao governador do distrito que lho concedera na forma das ordens sobre esta materia. As mesmas conveniências e vantagens se estendiam aos casais, naturais das ilhas, que quisessem vir de Portugal, por ali ja se acharem, e aos casais estrangeiros, que não fossem vassalos de soberanos, que tivessem domínios na América, aos quais pudessem passar-se, dando aos que fossem artifices uma ajuda de custo, segundo o grau de pericia, nao excedendo de 7.200 reis a cada um; que, no primeiro ano da chegada, se assistiria com medicamentos aos casais doentes; que pelos filhos dos assim transmigrados, que casassem dentro do ano, se repartiria a mesma mencionada quantidade de ferramentas, armas, sementes e terra de cultura; que aos novos povoadores destas paragens fazia Sua Majestade mercê pelos primeiros cinco anos da sua chegada de isentá-los de todo tributo, a exceção dos dízimos; que distribuídos em arranchamentos ou povoações de sessenta casais, pouco mais ou menos, delineando a largura das ruas, praças e logradouro público, se prevenia para que lhes faltasse o pasto espiritual e sacramentos, que se erigissem igrejas com suficiente capacidade e se nomeassem para cada uma delas vigários com a congrua de sessenta mil reis, e um quarto de légua em quadro para passal da sua igreja, etc. Mandou El-Rei escrever ao Provincial da Companhia de Jesus para que enviasse aquelas terras dois missionários; e ao bispo de São Paulo, a quem então obedecia no espiritual todo aquele territorio, avisou, pela Mesa de consciência e Ordens, que provesse cada igreja destas de um vigário, ao qual no primeiro ano se assistiria com o sustento, e mais comodos da vida, como aos outros colonos, que findo o contrato atual da comarca de São Paulo, no qual se incluem os dízimos daquele distrito do Sul, se faça ramo à parte, pertencendo a arrecadação do rendimento à provedoria do Rio de Janeiro, para dele se pagarem as congruas dos vigários e missionários".
João de Avila da Silveira nasceu no dia 10 de abril de 1709, natural da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade da Ilha do Pico, filho legítimo do Capitão João de Avila Raposo e Dona Maria do Rosário, pacatos lavradores, proprietários de vinhas e algumas reses nos Açores. Desembarcou no Brasil casado com Dona Francisca da Conceição, sendo seu terceiro marido. Esse casal deu origem aos filhos Gertrudes da Encarnação, Joana e João, nascidos em Portugal e a Francisca, nascida em Barbacena. Em 1756, João ficou viúvo e casou-se com Antonia Maria de Jesus, natural de Nossa Senhora das Angústias da Ilha do Faial, filha de Antonio Garcia Duarte e de Luzia Vidal de Negreiros, natural da mesma freguesia, Bispado de Angra, Ilha Terceira. O filho primogênito do casal, Antonio Joaquim de Avila, por sua vez, casou-se, em 1784, com Mariana Joaquina das Neves, filha de Martinho de Faria Moreira e sua mulher Luzia Garcia Fontoura.
Antonio Joaquim seguiu a trilha dos milhares de aventureiros que aportaram nessas paragens: a busca pelo ouro. Parece ter tido sucesso na atividade de garimpagem de ouro e como mercador, mas não persistiu nessas atividades. Buscou rumos mais sólidos para sua vida: procedente de São Bento do Tamanduá (Itapecerica), onde compôs a primeira câmara, requereu terras do governo da Capitania de Goias, na região de Araxá, e aqui obteve uma Sesmaria no ano de 1802, denominada “Pederneiras”. O percurso de Antonio Joaquim pelas Gerais se deu pelo “Caminho Novo”, ou “Picada de Goiás”, que era um atalho do caminho velho de São Paulo até Paracatu, com ramificação que vinha de Barbacena, seguia pelo sertão de Tamanduá, passando por Araxá até o Desemboque. Em 1812, o referido Capitão exercia o cargo de Fabriqueiro da Matriz da Freguesia de São Domingos do Araxá. Anos mais tarde, contraiu matrimônio novamente, com Ana Rosa Gonçalves, com a qual teve o filho Elias Antonio de Avila. De seu primeiro matrimônio, com Mariana Joaquina das Neves, teve os filhos Maria Joaquina, Floriana, Marianno Joaquim de Avila e Francisco Antonio de Avila. Vários ramos familiares Araxaenses descendem desses dois últimos, importantes personalidades na história de Araxa.
Francisco casou-se com Ana Rosa de Jesus, natural e batisada na Freguesia de Santo Antonio da Casa Branca do Bispado de Marianna, filha de Nicolao Alves Portella e Maria Josefa Rodrigues de Oliveira e tiveram os filhos a seguir:
♦ Manoel Francisco de Avila, casado com Ana Sabina dos Santos
♦ Antonio Joaquim de Avila
♦ Maria do Carmo de Oliveira, casada com seu tio materno Nicolao Alves Portella de Oliveira
Enfocaremos a seguir a história de Manoel Francisco de Avila, figura de grande importância na origem da Santa Casa de Misericórdia de Araxá, outros segmentos serão abordados em artigos futuros.
Manoel Francisco de Avila
Manoel Francisco de Avila deixou em seu testamento um legado que, mais tarde, deu origem à Santa Casa de Misericórdia de Araxá, sendo seu primeiro benemérito, dentre inúmeros outros na história da instituição.
Transcrição do testamento de Manoel Francisco de Avila, onde se salienta a verba deixada para a fundação da Santa Casa de Misericórdia de Araxá:
“Jesus Maria e José. Em nome da santíssima trindade, padre, filho, espírito santo, tres pessoas realmente distinctas, um só Deos verdadeiro, em que eu, Manoel Francisco de Avila, firmemente creio, e em cuja fé protesto viver e morrer; faço o meu testamento: Declaro que sou natural desta freguesia da cidade de Araxa, filho legítimo de Francisco Antonio de Avila e dona Anna Rosa de Jesus, já falecidos. Declaro que sou casado com dona Anna Sabina dos Santos de cujo enlace temos os seguintes filhos, hoje existentes: Anna Appolinária dos Santos; Francisco Antonio de Avila; Manoel Esteves de Avila e Joaquim Esteves de Avila. Declaro que o meu funeral será sem pompa e mando que no dia do meu interramento se reparta com os pobres mais necessitados a quantia de quatrocentos mil reis. Mando que se digão por minha alma dez missas; cinco por alma de minha mai, cinco pela de meu pai, e cinco pelas dos meus escravos, falecidos. Deixo libertos, sem condição alguma estes escravos:Manoel Africano, Catharina mulher deste, Lucinda, Maria Thereza. Declaro que os meus escravos - Crispim e Juliana servirão a minha mulher durante a vida desta, e depois gosarão de liberdade. Deixo de esmola à dona Virginia Maria de Jesus Resende, viuva do Elias Fernandes de Resende, moradora na cidade de Bagagem, em sua falta a seos filhos, a quantia de dez contos de reis que serão entregues em dinheiro. Deixo a quantia de dez contos de reis que também será entregue em dinheiro de esmola para a fundação de um hospital ou casa de caridade na cidade de Araxá, onde os pobres enfermos vão algum dia encontrar alivio e consolo em seos sofrimentos: sei quanto é diminuta a quantia para tão grande obra e lamento não poder fazer mais; porem espero muito de meus patricios que aceitando como um convite que ora faço, não perderão tempo em acudir e realizar esta ideia em obediência a grande virtude que o nosso Redemptor tanto nos recomendou- a caridade. Cumpridos os meus legados instituo herdeiros do remanecente de minha terça, em iguais partes a todos os meus filhos, Anna, Francisco, Monoel e Joaquim. Peço em primeiro lugar ao Senhor Carlos Joaquim de Avila, em segundo lugar a meu filho Francisco Antonio de Avila, em terceiro a meu filho Manoel Esteves de Avila, queirão ser meus testamenteiros e ao que aceitar deixo a quantia de quatro centos mil reis e marco o praso de um anno para prestar contas. Este é meu testamento e última vontade para depois da minha morte, vai escripto a meu rogo pelo Vigário Conego Cassiano Barbosa de Affonseca Silva e assinado por mim depois de ser lido e achado conforme dictei. Fazenda do Morro Alto, quinze de Janeiro de mil oitocentos e oitenta. Manoel Francisco de Avila“
Com o fim de receber os dez contos de réis do legado acima, por iniciativa do Cônego Cassiano Barbosa d’Afonseca e Silva, foi fundada em 1885, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Araxá, sob a invocação de Nossa Senhora d’Abadia. Por ser de caráter religioso, receberam a aprovação da Cúria Episcopal de Goiás, pelo Bispo Dom Cláudio José Gonçalves Ponce de Leon. Adquiriram então, uma propriedade, denominada “Hospício”, pela qual se pagou a quantia de 5 contos e 380 mil réis, constituída por uma morada de casas com 122 palmos de frente com uma “água furtada” para o fundo, doze janelas, treze portas, uma boa sala de visitas forrada de papel, com outros vários cômodos além de uma outra casa anexa na frente da rua, com 60 palmos de comprimento, um espaçoso pátio gramado, plantações de milho, horta, 3 terrenos anexos e um pasto de capim gordura, onde mais tarde foi instalada a Santa Casa de Misericórdia de Araxá. Oxalá mais pessoas tivessem o espírito altruísta de Manoel Francisco de Avila!
Major Manoel Francisco foi político e dono de títulos da Guarda Nacional, concedidos pelo Imperador D. Pedro II a pessoas que exerciam o poder político, geralmente proprietários de grandes extensões agrárias. Foi vereador e presidente da Câmara, em períodos intercalados durante os anos de 1854 a 1876.
De seu casamento com Ana Sabina dos Santos, filha de Manoel Esteves dos Santos e Anna Apolinária Gonçalves Poça, originaram-se os filhos seguintes:
♦ Francisco Antonio de Avila (Chico do Muro) casado com Maria Rita de Paiva
♦ Manoel Esteves de Avila (Manoel dos Patos) casado com Hipólita Cassiana Lemos
♦ Joaquim Esteves de Avila (Joaquim do Morro Alto) casado com Joaquina Cândida da Conceição
♦ Ana Apolinária dos Santos casada com José Esteves dos Santos
Maria Rita e Francisco Antonio
Hipólita e Manoel Esteves
Joaquim Esteves e sua neta Zaida
Muitos descendentes de Manoel Francisco, até os dias atuais primam pela fartura e preservação de receitas centenárias. Cada família possui uma versão única de receitas que foram ditadas boca a boca e que se mantêm até nossos dias. Sabor e cheiro são fortes testemunhos do passado, e afirmam que esse passado, a cada dia mais distante, pode a qualquer momento, se fazer presente através do poder de sentidos como paladar e olfato. Como convite para embarcar nessa ideia, segue-se uma das receitas mais tradicionais da família:
Pão Recheado à moda dos Avila
500g de farinha de trigo
03 colheres de óleo
60g de fermento biológico
01 copo de leite morno
01 colher rasa de sal
Dissolver o fermento com o leite e o açúcar. Misturar a farinha peneirada, o óleo e o sal. Deixar dobrar de volume e rechear.
Sugestão de recheio: Refogar carne de porco moída com salsicha, azeitonas, tomates picados e temperos a gosto. Retirar do fogo, misturar queijo ralado e um ovo batido como para pão de ló. Abrir os pães que foram divididos em três partes, colocar o recheio e uma fatia de queijo em cada dobra. Deixar descansar por 15 minutos, pincelar com gema e assar em forno temperado.
Fabricio de Avila Ferreira, é araxaense e “historiador nato”, possui um acervo fotográfico e documental sobre a História de Araxá e das famílias Araxaenses, acumulado em mais de trinta anos de pesquisas. É também professor e biólogo especialista em Ciências Ambientais.
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