Entretanto.

Nov 1, 2024 - 08:00
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Entretanto.

Alexandre de Moraes tem razão!

                Em sua pendenga com Elon Musk do Twitter/X,  o Ministro Alexandre de Moraes,  do STF, cansou de dizer que empresa alguma poderia funcionar no Brasil sem submeter-se `a legislação brasileira,  com filiais e representantes legais aqui. Musk deu o berro: não se sujeitaria às ordens da Suprema Corte de nosso país que, segundo ele, violava flagrantemente o direito à informação e à liberdade de expressão, praticando famigerada censura prévia.

                Está certo que do ponto de vista norte-americano e das grandes potências do mundo ocidental, soa no mínimo estranho (no  mínimo!) governos ditarem normas para o funcionamento interno de empresas privadas, pessoas jurídicas de Direito Privado e,  portanto, submissas à princípio e  somente aos seus próprios gestores e ao mercado capitalista.

                As ordens de Alexandre de Moraes, em tese descumpridas pela plataforma de Elon Musk, podem afrontar a economia política americana neste pormenor: a intocável autonomia do capital privado. No entanto – descobri recentemente – Moraes está certo em fixar regras para o Twitter e todas as grandes empresas virtuais do mundo, as denominadas “Big Techs”.

                Eu vou explicar porquê.

Aconteceu por aqui.

                Em decisão recente, um colega determinou que uma página da rede social Instagram fosse retirada do ar por estar sendo hackeada. Os fraudadores aproveitaram a invasão cibernética para vender  bitcoins através daquela página inocente invadida. Tutela de urgência concedida (o nome da antiga “liminar”), não se conseguiu citar ou intimar quem quer que fosse para cumprir a ordem judicial.

                Isto mesmo. Não há endereço físico, representante legal, advogado cadastrado para receber intimações e ,se descumprida a ordem, não há ninguém para ser punido pela desobediência.

                Essas empresas existem  quase exclusivamente na nuvem virtual  do mundo intangível  da tecnologia da informação. A polícia entrou na jogada e descobriu a um representante longínquo da  empresa Meta – responsável por Whatsupp,  Facebook e Instagram. O  cara é representante “para a América Latina” destas Big Techs, como se fôssemos todos os latino-americanos uma tribo vivendo  em uma grande  aldeia governada por um Cacique e fiscalizada por um xerife gringo.

Só isto já seria  humilhante o suficiente. Mas há mais. O representante distante foi Indagado e finalmente instado a cumprir o acordo, tudo  por aplicativo de mensagens, porque o todo poderoso não se dignou sequer a atender o telefone. E respondeu com evasivas: teria que informar sua equipe jurídica que somente cumpriria a ordem se o fato que ensejou a determinação judicial – para ele um “pedido” – também fosse ilícito à luz da legislação norte-americana!

Big Techs acima da lei.

                Estamos no Brasil. A empresa que aqui funciona e fatura tem que seguir a legislação brasileira e as decisões judiciais dos juízes nacionais. Este óbvio ululante sempre foi por mim defendido aqui.

                As leis brasileiras obrigam que multinacionais, de qualquer área de atividade, tenham filiais nacionais e arquem com impostos brasileiros,  caso queiram funcionar por aqui. Tem que ter endereço físico, CNPJ, telefone e gente para antender, recepcionar,  solucionar dúvidas  e cumprir a lei e as  ordens dos juízes.

                As Big Techs são extremamente despersonalizadas, nelas não há contato humano suficiente para  agilizar qualquer espécie de interlocução e, assim, são senhoras do próprio nariz, criam regras para si próprias e não respeitam as leis dos países que alcançam com  seu funcionamento. 

Empresas grandes  ou Estados pequenos?

                As  Big Techs trocam seus e-mails e telefones cadastrados e forneceram,  depois de  bastante aporrinhadas pelo  governo, uma plataforma própria para interlocução com  autoridades. Se você é delegado,  policial, promotor ou juiz e quer alguma coisa deles, tem que “pedir” na plataforma – aí a equipe da empresa vai a analisar  se é o  caso  de cumprir ou não a determinação  governamental.

                Nenhuma  empresa  pode ser grande o bastante para  superar as regras estatais que governam o funcionamento do mercado e as relações  entre a economia  privada e o Estado. Não se podem criar condicionantes para o cumprimento  de ordens de autoridades, legais ou ilegais que sejam, muito menos regras criadas pela própria  empresa, como se esta fosse um reino absolutista virtual dotado de soberania intangível e inatingível.

                A tal plataforma muda toda hora e não agiliza em nada qualquer espécie de contato e comunicação. Parece que estamos a pedir-lhes benção e especiais mercês para que, pelo amor de Deus, cumpram  leis e decisões judiciais. Não é possível  que superem ao Estado com políticas internas e que se bastem em torno do próprio umbigo,  também virtual e nas nuvens.

               

                                                               Humanização.

                O mínimo que se deve exigir de quaisquer empresas é que funcionem  com autonomia, mas com respeito às instituições e que se ponham prestas, prontas e dinâmicas para acatar decisões judiciais.  Se a decisão é certa ou errada, arbitrária ou justa, a história é outra. Aprendi desde a faculdade que não se discutem ou descumprem decisões judiciais quando com elas não concordemos – o remédio para  esta discordância chama-se “recurso”.

                Ainda que as decisões de Alexandre de Moraes ou de qualquer  outro juiz possam ser eventualmente criticáveis por se imiscuir no funcionamento de empresas privadas americanas, brasileiras ou coreanas, não  podem simplesmente ser ignoradas sem interlocução e sem contato humano.

                Até o nosso  Código de Defesa do  Consumidor impõe que todo prestador de produto ou serviço em território nacional  deva possuir endereço conhecido e contato acessível para reclamações, solicitações e para que possa ser identificado e chamado às falas  pela fiscalização ou pelo Poder Judiciário. O Direito só existe porque as  regras de conteúdo puramente  moral não funcionaram para conter e diminuir os atritos entre as pessoas e o Estado,  na sociedade – é bom  nos  lembrarmos  sempre disso. E a regra  jurídica, a norma do Direito, só funciona porque é cogente.

                O que significa isso? Significa  que a regra jurídica só obriga porque, para o caso de seu descumprimento,  haverá sanções e castigos e penas previstos em lei. Do conrário,  a  norma jurídica  não seria cumprida voluntariamente por quem quer que seja e a sociedade voltaria ao caos absoluto das épocas tribais da pré-história,  da Lei do Mais forte e da vingança  privada.

 

O Direito Natural.

                Porém, é impossível  obrigar alguém que é um ser virtual, que não existe em carne e osso e que, portanto, não pode ser processado, multado ou preso. Empresas de capital pulverizado, sociedades anônimas, tem (e podem ter)  uma  direção despersonalizada – ninguém sabe, por exemplo, quem é dono da Coca Cola  ou da Mcdonald´s, porque possuem  ações  no mercado e todos os seus acionistas  são proprietários de um  “pedaço” destes conglomerados.

                Mas estas empresas tem  personalidade própria, são pessoas jurídicas com  endereço e representantes  legais que podem responder administrativa, civil e criminalmente por sua gestão. As Big Techs não. Existem para o mundo e sem fronteiras, mas não existem no mundo físico, se é que me entendem.

                Imagine-se o “Uber” e  seus motoristas  de  aplicativo – de  novo, o STF já se debruçou sobre  o caso.  Estes motoristas, estes colaboradores, são funcionários de  quem? Quem é o seu patrão? Um ser tecnológico e virtual, sem  personalidade  jurídica própria. E estão criando vínculo empregatício para estes condutores com o Uber. O patrão do sujeito agora é uma máquina, e estamos vivendo um mundo  de ficção científica distópico como em romances de Isaac Asimov ou Philip K. Dick.

                Temos Direitos Naturais,  no entanto, que antecedem as constituições das nações, e que nos permitem esperar de quem nos governa que nos proteja – o  que só será possível  através do Direito e das regras  jurídicas. Estas, todavia e como já vimos, só funcionam se nos obrigarem e só conseguem obrigar pela força das leis. A empresa despersonalizada, sem representantes ou endereço, contato de qualquer natureza, condiciona sua submissão às leis e determinações judiciais a uma autorregulação.  Assim se tornam instituições  acima do bem e do mal e que não  se submetem ao Estado democrático de Direito.

 Regras são regras.

                Ainda que a decisão judicial seja questionável  e se imiscua naquilo que não deve  - o funcionamento interno de uma instituição privada,  por exemplo e como criticou Elon Musk – ainda  assim ela deve ser alvo de pronta comunicação à empresa obrigada a cumpri-la, até para que seus representantes dela possam recorrer.

                Quando todo contato e toda responsabilização se mostram  impossíveis, sobra a baderna. Portanto, Alexandre de Moraes, do topo de  todas as suas decisões questionadas por muitos,  está coberto  de razão ao exigir que as Big Techs cumpram a  legislação e a Constituição brasileiras e formatem meios de comunicação mais ágeis, colocando representantes humanos (e não robôs) aptos ao cumprimento de ordens judiciais e a suportarem o peso pelo seu descumprimento.

                A empresa exclusivamente virtual vive no mundo das  nuvens e não obedece às regras terrenas  da  razão e das leis, não merecendo manter este  poderio econômico para além de muitas nações do mundo. É  hora  de  entendermos que empresas grandes demais não são saudáveis para o mundo moderno, por mais que seja inexorável o caminho para a ampliação das grandes  corporações e conglomerados.

O dito pelo não dito.

O desejo de salvar a humanidade é quase sempre uma falsa desculpa para o desejo de a governar.” (H.L. Mencken,  jornalista e escritor americano).

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