Entretanto.
Alexandre de Moraes tem razão!
Em sua pendenga com Elon Musk do Twitter/X, o Ministro Alexandre de Moraes, do STF, cansou de dizer que empresa alguma poderia funcionar no Brasil sem submeter-se `a legislação brasileira, com filiais e representantes legais aqui. Musk deu o berro: não se sujeitaria às ordens da Suprema Corte de nosso país que, segundo ele, violava flagrantemente o direito à informação e à liberdade de expressão, praticando famigerada censura prévia.
Está certo que do ponto de vista norte-americano e das grandes potências do mundo ocidental, soa no mínimo estranho (no mínimo!) governos ditarem normas para o funcionamento interno de empresas privadas, pessoas jurídicas de Direito Privado e, portanto, submissas à princípio e somente aos seus próprios gestores e ao mercado capitalista.
As ordens de Alexandre de Moraes, em tese descumpridas pela plataforma de Elon Musk, podem afrontar a economia política americana neste pormenor: a intocável autonomia do capital privado. No entanto – descobri recentemente – Moraes está certo em fixar regras para o Twitter e todas as grandes empresas virtuais do mundo, as denominadas “Big Techs”.
Eu vou explicar porquê.
Aconteceu por aqui.
Em decisão recente, um colega determinou que uma página da rede social Instagram fosse retirada do ar por estar sendo hackeada. Os fraudadores aproveitaram a invasão cibernética para vender bitcoins através daquela página inocente invadida. Tutela de urgência concedida (o nome da antiga “liminar”), não se conseguiu citar ou intimar quem quer que fosse para cumprir a ordem judicial.
Isto mesmo. Não há endereço físico, representante legal, advogado cadastrado para receber intimações e ,se descumprida a ordem, não há ninguém para ser punido pela desobediência.
Essas empresas existem quase exclusivamente na nuvem virtual do mundo intangível da tecnologia da informação. A polícia entrou na jogada e descobriu a um representante longínquo da empresa Meta – responsável por Whatsupp, Facebook e Instagram. O cara é representante “para a América Latina” destas Big Techs, como se fôssemos todos os latino-americanos uma tribo vivendo em uma grande aldeia governada por um Cacique e fiscalizada por um xerife gringo.
Só isto já seria humilhante o suficiente. Mas há mais. O representante distante foi Indagado e finalmente instado a cumprir o acordo, tudo por aplicativo de mensagens, porque o todo poderoso não se dignou sequer a atender o telefone. E respondeu com evasivas: teria que informar sua equipe jurídica que somente cumpriria a ordem se o fato que ensejou a determinação judicial – para ele um “pedido” – também fosse ilícito à luz da legislação norte-americana!
Big Techs acima da lei.
Estamos no Brasil. A empresa que aqui funciona e fatura tem que seguir a legislação brasileira e as decisões judiciais dos juízes nacionais. Este óbvio ululante sempre foi por mim defendido aqui.
As leis brasileiras obrigam que multinacionais, de qualquer área de atividade, tenham filiais nacionais e arquem com impostos brasileiros, caso queiram funcionar por aqui. Tem que ter endereço físico, CNPJ, telefone e gente para antender, recepcionar, solucionar dúvidas e cumprir a lei e as ordens dos juízes.
As Big Techs são extremamente despersonalizadas, nelas não há contato humano suficiente para agilizar qualquer espécie de interlocução e, assim, são senhoras do próprio nariz, criam regras para si próprias e não respeitam as leis dos países que alcançam com seu funcionamento.
Empresas grandes ou Estados pequenos?
As Big Techs trocam seus e-mails e telefones cadastrados e forneceram, depois de bastante aporrinhadas pelo governo, uma plataforma própria para interlocução com autoridades. Se você é delegado, policial, promotor ou juiz e quer alguma coisa deles, tem que “pedir” na plataforma – aí a equipe da empresa vai a analisar se é o caso de cumprir ou não a determinação governamental.
Nenhuma empresa pode ser grande o bastante para superar as regras estatais que governam o funcionamento do mercado e as relações entre a economia privada e o Estado. Não se podem criar condicionantes para o cumprimento de ordens de autoridades, legais ou ilegais que sejam, muito menos regras criadas pela própria empresa, como se esta fosse um reino absolutista virtual dotado de soberania intangível e inatingível.
A tal plataforma muda toda hora e não agiliza em nada qualquer espécie de contato e comunicação. Parece que estamos a pedir-lhes benção e especiais mercês para que, pelo amor de Deus, cumpram leis e decisões judiciais. Não é possível que superem ao Estado com políticas internas e que se bastem em torno do próprio umbigo, também virtual e nas nuvens.
Humanização.
O mínimo que se deve exigir de quaisquer empresas é que funcionem com autonomia, mas com respeito às instituições e que se ponham prestas, prontas e dinâmicas para acatar decisões judiciais. Se a decisão é certa ou errada, arbitrária ou justa, a história é outra. Aprendi desde a faculdade que não se discutem ou descumprem decisões judiciais quando com elas não concordemos – o remédio para esta discordância chama-se “recurso”.
Ainda que as decisões de Alexandre de Moraes ou de qualquer outro juiz possam ser eventualmente criticáveis por se imiscuir no funcionamento de empresas privadas americanas, brasileiras ou coreanas, não podem simplesmente ser ignoradas sem interlocução e sem contato humano.
Até o nosso Código de Defesa do Consumidor impõe que todo prestador de produto ou serviço em território nacional deva possuir endereço conhecido e contato acessível para reclamações, solicitações e para que possa ser identificado e chamado às falas pela fiscalização ou pelo Poder Judiciário. O Direito só existe porque as regras de conteúdo puramente moral não funcionaram para conter e diminuir os atritos entre as pessoas e o Estado, na sociedade – é bom nos lembrarmos sempre disso. E a regra jurídica, a norma do Direito, só funciona porque é cogente.
O que significa isso? Significa que a regra jurídica só obriga porque, para o caso de seu descumprimento, haverá sanções e castigos e penas previstos em lei. Do conrário, a norma jurídica não seria cumprida voluntariamente por quem quer que seja e a sociedade voltaria ao caos absoluto das épocas tribais da pré-história, da Lei do Mais forte e da vingança privada.
O Direito Natural.
Porém, é impossível obrigar alguém que é um ser virtual, que não existe em carne e osso e que, portanto, não pode ser processado, multado ou preso. Empresas de capital pulverizado, sociedades anônimas, tem (e podem ter) uma direção despersonalizada – ninguém sabe, por exemplo, quem é dono da Coca Cola ou da Mcdonald´s, porque possuem ações no mercado e todos os seus acionistas são proprietários de um “pedaço” destes conglomerados.
Mas estas empresas tem personalidade própria, são pessoas jurídicas com endereço e representantes legais que podem responder administrativa, civil e criminalmente por sua gestão. As Big Techs não. Existem para o mundo e sem fronteiras, mas não existem no mundo físico, se é que me entendem.
Imagine-se o “Uber” e seus motoristas de aplicativo – de novo, o STF já se debruçou sobre o caso. Estes motoristas, estes colaboradores, são funcionários de quem? Quem é o seu patrão? Um ser tecnológico e virtual, sem personalidade jurídica própria. E estão criando vínculo empregatício para estes condutores com o Uber. O patrão do sujeito agora é uma máquina, e estamos vivendo um mundo de ficção científica distópico como em romances de Isaac Asimov ou Philip K. Dick.
Temos Direitos Naturais, no entanto, que antecedem as constituições das nações, e que nos permitem esperar de quem nos governa que nos proteja – o que só será possível através do Direito e das regras jurídicas. Estas, todavia e como já vimos, só funcionam se nos obrigarem e só conseguem obrigar pela força das leis. A empresa despersonalizada, sem representantes ou endereço, contato de qualquer natureza, condiciona sua submissão às leis e determinações judiciais a uma autorregulação. Assim se tornam instituições acima do bem e do mal e que não se submetem ao Estado democrático de Direito.
Regras são regras.
Ainda que a decisão judicial seja questionável e se imiscua naquilo que não deve - o funcionamento interno de uma instituição privada, por exemplo e como criticou Elon Musk – ainda assim ela deve ser alvo de pronta comunicação à empresa obrigada a cumpri-la, até para que seus representantes dela possam recorrer.
Quando todo contato e toda responsabilização se mostram impossíveis, sobra a baderna. Portanto, Alexandre de Moraes, do topo de todas as suas decisões questionadas por muitos, está coberto de razão ao exigir que as Big Techs cumpram a legislação e a Constituição brasileiras e formatem meios de comunicação mais ágeis, colocando representantes humanos (e não robôs) aptos ao cumprimento de ordens judiciais e a suportarem o peso pelo seu descumprimento.
A empresa exclusivamente virtual vive no mundo das nuvens e não obedece às regras terrenas da razão e das leis, não merecendo manter este poderio econômico para além de muitas nações do mundo. É hora de entendermos que empresas grandes demais não são saudáveis para o mundo moderno, por mais que seja inexorável o caminho para a ampliação das grandes corporações e conglomerados.
O dito pelo não dito.
“O desejo de salvar a humanidade é quase sempre uma falsa desculpa para o desejo de a governar.” (H.L. Mencken, jornalista e escritor americano).
Qual é a sua reação?