O Direito dos Hemofílicos: Uma Perspectiva Jurídica Sobre a Efetivação de Garantias Fundamentais - Parte II
Dra. Karina Prado - Advogada, Escritora e Palestrante - Instagram: @karinaprado.adv
O Direito dos Hemofílicos: Uma Perspectiva Jurídica Sobre a Efetivação de Garantias Fundamentais - Parte II
Dando sequência à última coluna, é fundamental abordar como a hemofilia impacta outras dimensões da vida do cidadão, especialmente no acesso à educação, ao trabalho, à previdência e a outros direitos sociais e fiscais garantidos pelo ordenamento jurídico brasileiro.
O direito à educação inclusiva está previsto tanto na Constituição Federal quanto na Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015). Para alunos com hemofilia, esse direito vai além da matrícula garantida, implica adaptações razoáveis e personalizadas, como horários flexíveis para acompanhamento médico, ambiente escolar seguro e capacitação de educadores e equipes pedagógicas para agir diante de emergências relacionadas à condição. No entanto, ainda há lacunas na aplicação prática dessa norma, especialmente em escolas públicas que não dispõem de estrutura adequada ou formação específica para lidar com necessidades especiais de saúde.
Outro pilar essencial é o direito ao trabalho digno e sem discriminação. Apesar de a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) proibirem práticas discriminatórias com base em condição de saúde, hemofílicos continuam enfrentando barreiras invisíveis no mercado de trabalho. Desde processos seletivos até limitações impostas ao crescimento profissional, muitos relatos apontam exclusão sutil, mascarada por discursos de “inadequação” ou “incompatibilidade com a função”. Tais práticas violam não apenas a legislação trabalhista, mas também os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade material.
Em situações em que a hemofilia compromete de forma severa a autonomia ou a capacidade laboral, o paciente pode buscar benefícios previdenciários ou assistenciais. O mais comum é o Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS), destinado a pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade social. Para isso, é necessário comprovar renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo e apresentar laudo que ateste a limitação de longo prazo. A hemofilia, conforme o impacto clínico e funcional, pode ser caracterizada como deficiência nos termos legais.
Também há casos em que o paciente tem direito à aposentadoria por invalidez ou ao auxílio-doença, desde que demonstrada a incapacidade total ou temporária para o trabalho. Contudo, o reconhecimento desses direitos pelo INSS frequentemente depende de perícias médicas rigorosas e, não raro, exige o ajuizamento de ações judiciais diante de indeferimentos injustos.
Outras garantias legais pouco conhecidas, mas igualmente relevantes, incluem:
Isenção de tributos como IPVA, IPI e ICMS para aquisição de veículos adaptados, quando a doença comprometer a mobilidade;
Saque do FGTS e do PIS/PASEP, possível mediante laudo que comprove risco à vida, tratamento contínuo ou incapacidade laboral;
Acesso ao transporte público gratuito ou com desconto, mediante comprovação de impedimentos para locomoção autônoma;
Prioridade na tramitação de processos judiciais e administrativos, nos casos em que a hemofilia for reconhecida como condição grave ou deficiência.
Em todos esses cenários, o papel do operador do Direito é fundamental para garantir que os direitos não se limitem ao papel e que o hemofílico não seja forçado a travar, além da luta clínica, uma batalha judicial constante por reconhecimento e respeito.
O que se espera é um Estado mais proativo, que promova políticas públicas específicas e articuladas, além de uma sociedade mais informada e acolhedora que compreenda a hemofilia não como um obstáculo, mas como uma condição que, com os apoios adequados, permite uma vida plena, produtiva e digna.
Finalizo reiterando que a efetivação dos direitos dos hemofílicos é uma questão de justiça social e respeito à dignidade humana. O silêncio institucional não pode continuar a ser uma sentença de invisibilidade para milhares de brasileiros.
Qual é a sua reação?


